terça-feira, 20 de setembro de 2016

Quando é hora de desistir.

Olá, estimados orientistas.
Está chegando mais uma etapa do CamBOr. E dessa vez ocorrerá em época de seca, no cerrado brasileiro. Falando em saúde, oportuna a leitura da matéria abaixo, de minha autoria e publicada na revista Prismagazine.


Quando é hora de desistir

Um orientista nunca desiste!
Essa é uma frase bastante comum em nosso meio. Vale como um incentivo para que o competidor complete sua prova, já que a corrida de Orientação é um esporte de muita emoção e que só revela o resultado final depois que parte o último da categoria.
Esse incentivo é cultural e o orientista o carrega solitariamente durante seu percurso. Ademais, aprendemos desde pequenos que desistir não é legal.
 Mas até que ponto o nunca desistir é bom para o competidor e para a competição em si? Desistir de completar o percurso durante uma prova é realmente uma situação que não faz parte da vida de um orientista? Quais fatores podem auxiliar o orientista a decidir por continuar ou interromper seu percurso?
Desistir vem do latim desistere, significando interromper um propósito, deixar de.
Desistir é, na maioria das vezes, entendido numa conotação pejorativa. O mérito é dado àquele que persiste, que insiste mesmo diante das adversidades e, preferencialmente, obtém êxito. Já para o desistente, fica o martírio da dúvida quanto ao que aconteceria caso continuasse a empreitada. É bem provável que você, orientista e leitor, já presenciou ou tomou conhecimento de algum colega que desistiu de um percurso e julgou que o ato de parar foi uma espécie de covardia, de fraqueza.
A prática desportiva, independente da modalidade, exige do atleta basicamente dois fatores: o domínio técnico e o controle da junção mente-corpo. Na corrida de Orientação essa dualidade, quase tríade, fica mais evidente. Ao contrário de uma corrida normal, temos que monitorar sabiamente o grau de desgaste físico e o aspecto psicológico, para que seja possível raciocinar a contento decodificando a simbologia do mapa e definindo as melhores rotas a tomar.
Ocorre que em determinados momentos de uma prova de orientação, o corpo dá sinais de que o esforço pode prejudicar suas funções vitais. E consequentemente, a capacidade de raciocínio cai vertiginosamente. Entender estes sinais pode ser uma vantagem ao competidor no que diz respeito à manutenção da sua saúde. Essa vantagem também se reflete, inclusive, numa melhor gestão da organização do evento, já que se os atletas possuirem melhor domínio da condição física e mental, menor a probabilidade de acionamentos de equipes de resgate.
Acompanhando as provas de Orientação, não são raros os momentos em que percebemos colegas chegando extenuados após horas na pista. Também é comum termos que acionar equipes para buscar aqueles que já estão fora do tempo limite (mais de 4h, na maioria dos eventos). Dentre os motivos que levam um orientista a ficar tanto tempo na pista, podemos citar a falta de aplicação das técnicas de navegação, erros de cartografia, lesões ou a fadiga física e mental.

Diferentemente de uma prova de corrida de rua, na Orientação não há uma rota clara e definida. Praticamente todo o campo de prova pode ser usado pelos orientistas. Além disso, a desorientação espacial pode ocorrer em vários momentos da prova. Outro aspecto peculiar é que as escolhas de rota podem tornar um percurso mais ou menos cansativo.
Se numa corrida de rua o atleta que sofre com o desgaste físico é facilmente atendido, na Orientação há uma previsibilidade baseada na suposição de qual rota ele adotaria. Ocorre que essa suposição considera o raciocínio em boas condições físicas. Uma busca emergencial vai procurar o atleta, primeiramente, pelas rotas óbvias. É importante, portanto, procurar se manter nessas proximidades.
Você, orientista, deve observar em primeiro lugar como está sua capacidade física. Sede excessiva, visão turva, dormência nas extremidades ou nos lábios, calafrios, visão de túnel, tonturas, cãibras, sensação de esmagamento do tórax, são sintomas que podem indicar que o momento é de dar uma pausa ou interromper por completo sua competição.
Caso se depare com algum competidor que claramente não apresente condições de seguir sozinho, deve buscar auxiliá-lo. Seja entrando em contato com a organização e informando sua localização, seja apoiando-o até a arena onde está a estrutura básica da competição. Alguns sinais, não tão óbvios, podem indicar necessidade de intervenção: lábios ou pontas dos dedos roxos (cianose), pálpebras e mãos esbranquiçados, pupilas dilatadas, falta de equilíbrio, sudorese excessiva, incapacidade de responder perguntas simples (data de nascimento, nome da mãe etc.).
Persistir numa prova com os alertas dados pelo seu corpo de que algo não vai bem aumenta as chances de um colapso físico e mental. E numa prova de orientação, todos sabem que mente e corpo devem permanecer sãos até o pórtico de chegada.
O orientista, por característica própria da modalidade, sabe avaliar contextos e tomar decisões. E aprende a lidar com as consequências de cada escolha. O que fica de lição, então, é que maior atenção deve ser dada aos sinais e sintomas físicos e mentais durante a competição ou treino. Respeite seus limites, inclusive se isso significar parar por um momento. Desistir pode ser um passo para sua próxima vitória. Desistir, em determinadas situações, é o que pode te garantir com saúde para competir no futuro e, quiçá, chegar aos 95 anos tal qual nosso colega Rune Haraldsson.

Boas rotas \o/
orientistaemrota

www.orientistaemrota.com.br

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